quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

RPG e a banalização das pequenas coisas importantes

Recentemente estreou um anime, chamado Hai to Gensou no Grimgar (Grimgar of Fantasy and Ash), que me fez pensar um pouco na forma como banalizamos muitas coisas em nossas mesas de RPG. O enredo gira em torno de um grupo de adolescentes sem memórias que vão parar em Grimgar. Além de seus nomes, eles não lembram de nada, mas tem aquela sensação estranha de que vieram de algum outro lugar. Eles vestem roupas modernas, a despeito de Grimgar ser um mundo de fantasia medieval clássica. Tudo leva a crer que eles talvez sejam pessoas presas dentro de um jogo.








Uma coisa que eu pensei logo na primeira cena é que eles poderiam também ser fichas de personagem sem prelúdio, deixando escapar palavras ditas pelo jogador, sem saber porque estavam falando sobre isso. Mas a despeito da real origem deles, outra coisa me chamou a atenção nesse anime: a intensidade emocional dos personagens. Nesse mundo, para sobreviver, eles são obrigados a se alistar e caçar criaturas que poderiam causar problemas para a cidade. Mas eles são fichas iniciantes, com equipamento iniciante e o dinheiro está acabando. Se não conseguirem derrotar algum inimigo em breve, sua reserva de dinheiro, dada a eles quando assinaram o contrato, irá acabar.



Eles tem medo, eles sofrem, eles estão passando por privações e não querem morrer. Eles são tão novatos, pouco treinados, e estão tão perdidos, que um único goblin armado com uma espada é um grande desafio para eles.

Logo na primeira missão na floresta, eles são confrontados com a verdade: ali é matar ou morrer. Pelas reações, nenhum deles matou antes. E os Goblins que eles caçam apresentam as mesmas reações de medo, a mesma força de vontade, a mesma tentativa de sobreviver aos ataques, desesperadamente, fazendo tudo o que podem.



E nós? O que fazemos nas mesas em que jogamos? Um personagem iniciante, salvo exceções discriminadas em prelúdio, passou por um treinamento, mas não tem experiência real de combate. Assim como eles. E quantas vezes nós fizemos nossos personagens iniciantes sentirem medo durante seus primeiros desafios? Quantas vezes fizemos nossos personagens sentirem alguma coisa ao confrontar com o perigo iminente de morte?



Quantas vezes nós permitimos que nossos personagens sentissem algum sentimento genuíno que o marcasse, ao matar pela primeira vez? 





Esse anime é só um exemplo de como nós banalizamos as emoções dos personagens. Independente do sistema, ter um personagem iniciante é uma droga. Eles não são muito habilidosos, não estão acostumados com o resto do grupo, tem de fazer economias. Mas nós raramente lidamos com isso em nossas mesas. E eu acho que é justamente essa parte que aceleramos, na ânsia por evoluir rapidamente o personagem e sair logo dessa zona desconfortável, que acabamos perdendo o maior potencial dos jogos de RPG, a melhor oportunidade de crescimento do personagem. 


Não sei se  Hai to Gensou no Grimgar vai ser um anime tão bom quanto a expectativa que ele gerou em mim. Mas ele já me fez pensar, já me deu ideias para explorar coisas em jogo. Com apenas 2 episódios na data em que esse artigo vai ao ar, ele já valeu a pena como inspiração para o RPG.

5 comentários:

  1. Adoro seus textos. Não são muito longos e vão direto ao ponto. Você me deu uma ideia ótima pra modificar um cenário que fiz. Além disso, vou assistir o anime.

    Obrigado pela dica.

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  2. Tive a mesma impressão Graci, adorei o anime. Ótimo texto!

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  3. Não assisti o anime, mas é muito pertinente. No fim, se percebe a pressa em jogos que não recompensam ( ou não como deveriam ) a interpretação. jogos de pilhagens , só premiam pelos monstros derrotados o que deixa pouco espaço pra um lance mais intimista dos PCs. Com uma certa adaptação e um trabalho moderado, pode se premiar interpretações com valores em XP de monstros, porém o mais recomendado é que a mesa experimente jogos que já tem isso no seu cerne e que o principal ( roleplay ) não acabe em segundo plano. Parabéns pelo texto, muito legal a abordagem.

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  4. Me lembrou a desvantagem inicial de todo agente de DEMOS Corporation: Nunca matou ninguém. Deve ter alguma mecânica de jogo ou técnica narrativa melhor para colocar este sentimento em cena.

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