sábado, 24 de outubro de 2015

[Recordando] Mestrar para iniciantes: Existe uma fórmula mágica?

O artigo a seguir foi publicado originalmente na Fale RPG, em 18 de Fevereiro de 2012. Dê uma olhada no link original: http://www.falerpg.com.br/index.php/component/content/article/15-dicas/19-mestrar-para-iniciantes-existe-uma-formula-magica

Segue o texto:
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Muita gente me procura para perguntar o que deve fazer para mestrar para iniciantes, completamente leigos com relação a RPG. Que jogo usar? Que sistema? Que cenário? Quais as estratégias que devemos traçar, e os cuidados que devemos tomar, para que os iniciantes gostem do jogo e voltem mais vezes? O que devemos fazer para que eles entendam as diferenças que existem entre os videogames de RPG e o RPG "de mesa"?




A minha resposta, infelizmente, não é uma fórmula mágica. Tudo depende… A única regra é: não tente forçar uma pessoa que não está a fim a jogar RPG. Ela não vai gostar, isso pode comprometer sua relação pessoal com ela, e ela pode vir a se tornar um ativista contra o RPG. Só tente mestrar para pessoas que demonstrarem curiosidade e interesse.

Uma vez tendo certeza que a pessoa tem interesse no jogo, é hora de definir o que mestrar. Nesse momento, a maioria procura um sistema de fácil compreensão, com regras simples, e ignora o cenário, como se o mesmo fosse algo secundário no jogo. É aí que existe a maior possibilidade de erro. Esqueça um pouco o sistema e se apegue ao cenário. A pessoa não conhece sistema nenhum, por isso tanto faz. Mas a pessoa tem gostos, preferências e vontades. O que ela gostaria de jogar? Dentro dos cenários que você conhece, qual o que melhor combina com essa pessoa?

Esse é o passo mais difícil, porém o mais importante na hora de definir o que mestrar para o iniciante. Se ele não gostar do cenário, não vai gostar do jogo. Portanto, preste bastante atenção no futuro jogador, converse com ele sobre o que ela gosta e o que não gosta, e pergunte quais são as suas expectativas com relação ao jogo.

Provavelmente o único contato que um iniciante teve com RPG são os jogos eletrônicos. Já explique de antemão que o RPG de mesa é mais focado na história, que os personagens tem muito mais controle e capacidade de mudar o que acontece em sua volta, e que o jogo é mais parecido com um episódio de anime / seriado / filme / ... (insira aqui alguma coisa que o futuro jogador goste para que ele possa usar como exemplo para a interpretação do personagem) e que será necessário tomar muito mais decisões sobre o que fazer. Evite denegrir os jogos eletrônicos, a pessoa pode se sentir ofendida. É melhor dizer "é bem parecido com um RPG de videogame, mas aqui você vai dar mais atenção ao que o personagem pensa, sente, aos seus desejos, terá mais opções de escolha e não caminhos obrigatórios" do que dizer "Esqueça o RPG eletrônico, lá você só pensa em bater e subir de nível, e esse não é o objetivo aqui". Perceba que para muitos grupos o objetivo do RPG "de mesa" é subir de nível sim, mas no geral boas mesas equilibram esse desejo com boas interpretações e cenas memoráveis. Não há nenhum tipo de tabu ou impedimento moral em desejar tornar o seu personagem mais forte. Pelo contrário, esse desejo por poder é uma característica da raça humana, e transportar isso para o jogo é mais do que natural.

Outra coisa que você deve deixar claro para o futuro jogador é o caráter colaborativo do RPG. Diferente da maioria dos jogos, no RPG os personagens agem em grupo com um objetivo em comum. Assim, oriente o futuro jogador a colaborar com os outros, visando um jogo divertido para todos. Com essa orientação prévia, ele evitará personagens incapazes de se socializar e agir em grupo. Isso evita um bocado de problemas futuros e já coloca a pessoa dentro do clima do jogo. Enfatize o conceito de grupo. Se necessário, se estenda na explicação, mostrando exemplos de personagens aparentemente ranzinzas e individualistas que são totalmente capazes de agir em grupo.

Pronto, problemas futuros de adaptação ao cenário evitados. E agora? Dar ao novo jogador um personagem pronto ou deixar que ele crie o seu? Se você tiver tempo, explique o cenário (o que não será difícil uma vez que você escolheu um cenário que o jogador vai se interessar) e ajude ele a criar um personagem. Faça a ficha por ele. Não é hora de apavorar o novato com regras e mais regras. Mas explique o básico da ficha, para que o jogador saiba, se não usá-la, pelo menos ter uma boa ideia do que o seu personagem é ou não capaz de fazer. Se não houver tempo, entregue a ele um personagem pronto, explicando o básico.

Caso não tenha ficado claro até agora, não se preocupe com o sistema. Existem sistemas mais ou menos complicados, mas todos os sistemas são compreensíveis para qualquer pessoa com capacidade cognitiva para jogar RPG. Então, use o sistema mais adequado para o cenário do jogo. Se preocupar com o sistema significa que você está tendo preconceitos com relação à capacidade do novo jogador de entender o mesmo. É um péssimo sinal.

Se o cenário permite que se inicie com uma pessoa comum que de repente adquire poderes ou muda de certa forma (o mercado está cheinho de cenários assim, eu me recuso a listá-los) faça isso acontecer durante o jogo. É uma ótima maneira de não deixar o jogador desconfortável por não saber usar a sua ficha, uma vez que o personagem também não sabe do que é capaz.

Hora de jogar… Agora é o momento mais crítico. Em primeiro lugar, tranquilize o jogador novato com relação às regras. Oriente e guie ele toda vez que ele ficar confuso. Tenha a ficha dele em mente. Você não precisa dizer a um jogador experiente que ele tem em ficha determinada habilidade que poderia ser usado naquela ocasião. Mas para o novato, é legal dizer isso. O que eu estou dizendo é que durante as primeiras sessões de jogo, você deverá dar mais atenção a essa pessoa, até que ela se familiarize com sua ficha e com as regras. Não faça cobranças, apenas diga "role os dados e eu narrarei o resultado". Isso ajuda a tranquilizar a pessoa que deve estar cheia de receios com relação ao jogo novo, à aceitação do grupo à sua presença, e com medo de fazer besteira. Aos poucos, vá explicando regras. Sem pressa, no ritmo do novo jogador.

O jogador novato deve ao mesmo tempo se sentir especial e comum. A frase parece paradoxal, mas o que eu quero dizer é que ele deve se sentir bem vindo. Ele deve se sentir parte do grupo, deve experimentar aceitação por parte do mestre e dos jogadores. Todos devem trabalhar para que ele sinta que sua presença é desejada. Não só o mestre, mas os demais jogadores podem e devem ajudá-lo no começo. Todos devem trabalhar para inserir o personagem dele na trama. Todos devem fazer parte, uma vez que só assim o jogador novato vai realmente sentir que a ideia de jogo colaborativo é verdadeira, e que o RPG é mais do que um grupo de pessoas jogando juntas. Trata-se na verdade de amigos se divertindo juntos.


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Outubro de 2015...

Já faz bastante tempo que foi escrito, mas continua bem atual, acredito eu. Lembrei desse texto por causa de uma iniciativa bem bacana que eu vi no Facebook: Espalhe o RPG por aí. O título da página é auto-explicativo, e vale a pena conferir. Imagem retirada da página: 


Espero que esse artigo, já meio antigo, ajude a espalhar o RPG por aí ^^ 



2 comentários:

  1. Vamos unir forças e espalhar esse jogo danado danado de bom...
    Super dicas fantásticas, as vezes nos preocupamos mais com o sistema que cenário mesmo.
    Bom alerta.

    Eu ri no comentário que alguns grupos só querem subir de nível...
    Imaginei a carapuça caindo em 999 jogadores!

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    1. Hahahaha não tem nada de errado em subir de nível, desde que esse objetivo esteja bem fundamentado pela história que está sendo narrada. Existem ótimas histórias que são focadas em "subir de nível", o problema é quando o jogo é apenas uma sucessão de quests mecânicas que visam subir de nível sem nenhuma justificativa dentro da crônica para essa necessidade ou desejo de se tornar mais forte.

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