domingo, 26 de julho de 2015

A delicada posição de jogadoras em live actions de Vampiro a Máscara em São Paulo nos primeiros anos do século XXI

O assunto que eu vou tratar aqui é delicado. Não vou citar nomes, nem vou generalizar. Os Live Actions de Vampiro a Máscara que eu já fiz parte, tanto como narradora como jogadora, me trouxeram muitas alegrias, mas o ambiente estava longe de ser saudável em vários aspectos. Apesar de conseguir na maior parte do tempo me manter distante desses problemas, de jamais ter sido pressionada diretamente para me envolver, algumas vezes eles me atingiam, e não havia nada que eu pudesse fazer. Com o tempo, fui vendo que não tinha jeito, que não tinha como lutar contra isso, e fui me afastando. Até que parei de jogar completamente. 




Como muitos sabem, Vampiro a Máscara foi o cenário que me envolveu completamente e me fez me dedicar mais a fundo no RPG. Não sendo capaz de encontrar mesas à altura, nos primeiros anos do século XXI eu jogava muito live action, e cheguei a narrar. Joguei em vários grupos aqui em São Paulo, e os problemas que eu vou listar abaixo foram coisas que eu observei. Sem generalizações. Haviam grupos muito sérios em que isso não acontecia. Mas haviam grupos em que acontecia, em alguns casos com ciência da narração, em outros não. 


Sexo consensual (real) durante interpretação de personagem era uma realidade. Muitas vezes, jogadoras se submetiam a isso, e invariavelmente isso acabava gerando benefícios meio sem sentido para suas personagens. Claro, nunca presenciei nenhum caso não consensual, mas me pergunto, hoje e sempre, se a decisão das jogadoras em se envolver nesse tipo de cenas não era de certa forma relacionada ao medo de não conseguir evoluir suas tramas dentro do jogo caso não se submetesse a isso. Muitas jogadoras novas, observando o que jogadoras veteranas faziam para suas personagens terem evidência no jogo, acabavam embarcando nessa. Eu nunca precisei disso para colocar minhas personagens em evidência e seguir com o meu jogo, mas já fui prejudicada dentro do jogo, vendo alianças e plots desaparecerem por conta disso, enquanto a jogadora de certa forma usava seu corpo para se dar bem no live. Isso porque a principal regra do live action de Vampiro é não tocar! Mas a coordenação de muitos grupos acredita que por todos serem maiores de idade, se for consensual está tudo bem. Mesmo que isso deixe em segundo plano a interpretação de personagem, a realização de cenas, e a lógica da história.

Muitas vezes não havia sexo durante os jogos, mas jogadoras se tornavam namoradas de jogadores com personagens relevantes ou mesmo de narradores, e de repente suas personagens passavam a se dar bem no jogo. É o efeito "namorada do mestre", ou no caso de jogadores, "namorada do Ancião". Engraçado que a maioria desses namoros não sobrevivia à troca de personagem por um dos jogadores ou ao final da campanha ou do grupo de live. Ou o namoro acabava, e a personagem da jogadora perdia as alianças, cargos e benefícios que ela tinha adquirido durante o jogo.

Tinha também o efeito "panelinha". Se tornar amiga, passar a visitar a casa, sair junto com os narradores. Isso sempre teve mais efeito na obtenção de papéis de destaque em live actions para jogadoras do que para jogadores, nos lives em que eu participei. Eu sempre fui bem na minha, sempre preferi não me envolver demais, e especialmente não deixar de ser eu mesma para agradar narradores. E muitas vezes vi ideias sendo negadas, enquanto ideias até mesmo inferiores ou com menos sentido que as minhas, vindas de jogadoras do círculo pessoal de amizades da narração passavam. Mesmo que as jogadoras tivessem ideias que contrariavam o que estava escrito nos livros. 

E o machismo de jogadores sempre foi um problema. Raramente em um live mulheres conseguiam papéis ou cargos de destaque. Muitas das que se destacavam sempre estavam abaixo de personagens masculinos na hierarquia. Quantas vezes eu vi o cargo de Príncipe num live action ser interpretado por uma mulher, que fosse jogadora e não NPC? Não me lembro de nenhum no momento. Vi mulheres como Senescais, Mestres de Hárpias (esse foi o cargo máximo que eu cheguei num live), Primogênitas, Anciãs. Raramente Xerifes. Nunca Príncipes, cargo não raramente ocupado por jogadores homens. As jogadoras sempre alcançavam no máximo um cargo subordinado a outro, ocupado invariavelmente por um homem. Isso sem contar que conseguir alianças, conseguir colocar um plano em andamento, conseguir "se dar bem", sempre teve um grau de dificuldade maior para as personagens de jogadoras. 

Assédio sempre foi algo que eu vi acontecendo. A falta de respeito com as jogadoras, as cantadas impróprias, fazer o seu personagem se aproximar da personagem da jogadora com segundas intenções. Raramente esses comportamentos eram punidos. 

Um outro problema que eu observava era com relação à falta de respeito com a vida particular, trabalho e horários das jogadoras. Mais de uma vez haviam jogadores querendo marcar ons em horários que eu não podia, porque estava no trabalho ou porque era tarde demais e eu precisava dormir para trabalhar no dia seguinte. No caso dos jogadores homens, tais compromissos eram aceitáveis e o on era remarcado. No caso das jogadoras, a cena acontecia e elas ficavam de fora, prejudicando suas personagens. Isso quando as reuniões para rolagens não terminavam quase meia noite e eu tinha de me virar para conseguir chegar em casa, sozinha e tendo de contar com transporte público, que na época não era 24h por dia. Quantas vezes não tive de largar a cena no meio e com isso acabei prejudicada?

Mas de quem é a culpa desse panorama? Da coordenação que permite? Das jogadoras que se submetem? Dos jogadores que impõem? Não sei responder. Acho que é um misto de tudo. 

Como resolver? Eu não sei. Por mais que eu amasse jogar Live Action, esses problemas, juntamente com o problema de querer misturar on e off, intrigas do jogo com intrigas reais, muito comum nos jogadores de lives de Vampiro, fizeram eu me afastar definitivamente dos lives. Por mais que eu gostasse do jogo, o ambiente não era saudável, estava me estressando e me prejudicando em outras áreas da minha vida. Os problemas sobrepujaram a diversão. 

Sinto saudades dos bons momentos dos lives, mas não me arrependo de ter largado. Não sei como estão as coisas hoje em dia, se o mesmo acontece, se há grupos onde todos esses problemas foram sanados. Mas estou feliz, jogando mesa, com um grupo que me respeita, tendo tempo para diversificar (já que os lives tomavam todo o tempo livre para RPG e mais um pouco). RPG deixou de ser um peso na minha vida. 

Se você é mulher e joga ou já jogou live action, se presencia ou vive algum dos temas que eu citei aqui, peço apenas que pense em suas escolhas. Elas são realmente escolhas suas ou são alguma coisa que o ambiente de live te convenceu a fazer? Você já fez algo em algum live action de que se arrepende ou algo que possa a vir se arrepender no futuro? Apenas pense. Eu vi problemas nos lives que participei que eu consegui me manter afastada na maior parte dos casos, mas não consegui resolver. O ideal seria que nenhum desses problemas existisse. Que as oportunidades fossem igualitárias, que ninguém precisasse fazer concessões de cunho pessoal para se dar bem nele. Que o on fosse apenas on, com sua regra de "não tocar" e o off fosse apenas off, nossas vidas particulares que não tem nada a ver com o que acontece dentro do jogo. Que a única coisa que determinasse o sucesso de seu personagem dentro do jogo fosse o seu conhecimento do cenário e sua qualidade como jogador(a). 

Quem sabe um dia... 








Um comentário:

  1. Eu joguei por muito tempo - e bem antes de vc eu parei de jogar (acho que foi em 2004) um por causa das intriguinhas' que me cansaram - e depois porque live action de vampiro é politico e eu prefiro jogos investigativos. e optei pelas mesas (de mago)... o assédio pra jogos onde vc é "a carne nova" é inevitável(ainda. Espere passar dos 30. OU vc aprende a lidar com isso ou vai na patada-cara-de-pau). Risadinhas à parte vc tem que "levar na esportiva" ou não joga (como é meu caso atualmente).

    Não sei como está o cenário do by Night. Tenho amig@s que ainda jogam mas com a cabeça feita não se prezam a nem 1/8 do que vc narrou. Lembro das primeiras viagens onde as poucas jogadoras não eram jogadoras. Eram prêmios.

    Hoje eu não vejo mais um cenário tão caótico. Talvez porque só jogo com pessoas que ainda fazem parte do meu convívio (ou seja: eu não vou a mesas novas) ou talvez porque eu "passei da idade" (tenho quase 40 anos).

    Não perca a fé. Ainda pode conseguir muita coisa por aí...

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