sábado, 4 de abril de 2015

RPG e Preconceito: uma reflexão

Olá, pessoas


Uma vez eu criei um tópico em um grupo de facebook, que rendeu ótimas discussões e muita coisa a se pensar. Vou levantar a temática aqui também, por ser extremamente relevante.

A pergunta é:

Você já sofreu ou presenciou preconceito no meio RPGístico? E indo mais a fundo, numa reflexão mais pessoal, você já teve preconceito relacionado a esse meio?







Preconceito assume muitas formas. Desde as mais explícitas, referentes a sexo, aparência, orientação sexual, etnia, poder aquisitivo, escolaridade, preferências e passatempos, etc., preconceitos que são disseminados na sociedade como um todo, até aqueles mais específicos para o jogo de RPG.

Há os preconceitos quanto a ser novato e em contrapartida há o preconceito contra quem manja mais do assunto que você (como se aquela pessoa que leu e jogou bastante vá invariavelmente diminuir e ridicularizar os novatos). Há os preconceitos contra um jogo no qual você não leu o livro e não foi com a cara das resenhas (muitas delas preconceituosas, na maioria das vezes), e há o preconceito contra as pessoas que já leram, já jogaram e simplesmente não curtiram o assunto. Há o preconceito de alguns defensores de um sistema ou cenário ao diminuir e ridicularizar as pessoas que não gostam desse jogo, usando os argumentos de que “tal jogo não presta”. E mesmo dentro de um jogo, há os preconceitos quanto a preferências de “tipo” ou estilo de personagem.

É muito comum o preconceito assumir uma das facetas de embasamento ou não em teorias e conhecimentos prévios e experiências do outro. Por exemplo, há aqueles que se embasam na teoria GNS para agir de forma preconceituosa quanto a jogos e jogadores que não tem o perfil que ele prefere dentro dessa teoria. Por outro lado, há os que se baseiam em argumentos de que aqueles que “se baseiam em teorias” estão usando as mesmas para os diminuírem e ridicularizarem. Quem não estudou um assunto acha que tem razão, e que aquele que estudou está vomitando teorias para se colocar num papel de superioridade, quando muitas vezes a pessoa só está embasando seus argumentos.

E infelizmente, há sim, e muito, o preconceito baseado em sentimentos de inferioridade e mania de perseguição, que muitas vezes a pessoa nem se dá conta que tem. Como se duas pessoas não pudessem conviver tendo opiniões divergentes sobre um assunto. Estou tocando nesse assunto porque em um período longo demais da minha vida eu fui assim. A pessoa olhava meio torto pra mim e eu achava que ela estava me pesando em uma balança desbalanceada e preconceituosa, quando na verdade o vento tinha feito cair um cisco no olho da pessoa.

E eu só superei isso com anos e anos de terapia. O passo mais difícil foi aceitar que eu estava enxergando um panorama que não estava lá. Minha psicóloga dizia que isso é muito comum em pessoas inteligentes. É parte do preconceito inerente de que aquele que não tem o raciocínio tão afiado quanto o seu vai invariavelmente entender tudo errado e distorcer tudo. E o RPG é cheio de pessoas inteligentes, cada uma delas criando teorias o tempo todo. É aí que entra a empatia. É necessário olhar para dentro de cada um de nós e encarar os nossos preconceitos. Parar de generalizar, parar de ver o outro como um agressor em potencial.

Nossa herança evolutiva nos leva a reagir a uma agressão com outra agressão. Supor que o outro está sendo agressivo como premissa acaba fazendo com que nós sejamos o primeiro a agredir. É aí que começa a maioria dos problemas em qualquer tipo de relação social, incluindo o RPG.

Eu, Graci, acredito que a nossa herança evolutiva é a fonte dos preconceitos. A humanidade evoluiu com base em instintos e escolhas, em selecionar parceiros com características “mais aptas” para gerar uma boa prole. Em se cercar de uma comunidade que ia lhe trazer vantagens. Descartar o diferente antes que ele tenha chance de te causar problemas é um preconceito intrínseco não apenas em nossa espécie, mas em outros animais. Dessa forma, eu acho que ter sentimentos iniciais de preconceito não diminui a índole de ninguém. Mas estamos em um mundo tão mudado pela presença humana, que esse sentimento primal de preconceito é um traço que não tem mais utilidade. É como o apêndice do intestino que só serve para inflamar, ou como o osso cóccix que está lá para nos lembrar que viemos de antepassados que tinham originalmente uma cauda. O preconceito, como manifestação do instinto de defesa e autopreservação, é um traço evolutivo que devemos compreender, para evitar que sejamos machucados por ele ou que ele machuque os outros.

Os grandes desafios para mudar não apenas o panorama do RPG, mas também todo tipo de relação social, no meu entendimento, são dois:

- não deixar que suas ações sejam guiadas pelos preconceitos;
- não acusar o outro de estar sendo preconceituoso como ação defensiva, antes de avaliar se ele está sendo ou não.

É claro, pessoas que escolheram uma postura preconceituosa para a sua vida existem e estão em toda parte. Mas não é por isso que devemos partir da premissa de que toda divergência de opiniões é fruto do preconceito. Eu acredito ser esse o primeiro passo para se diminuir o preconceito no RPG.

Acho que me estendi demais. A proposta desse post é expor as minhas opiniões expostas acima, e também levar a uma reflexão e diferenciação dos reais preconceitos que sofremos, das vezes que fomos erroneamente interpretados como preconceituosos, e das vezes que assumimos que o outro estava sendo preconceituoso com base nos nossos próprios preconceitos. E com isso, quem sabe, construir um panorama melhor para o RPG e nossas mesas.

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