domingo, 4 de janeiro de 2015

A pirataria de RPG e as bandeiras de amor pelo jogo

Que atire a primeira pedra quem nunca pirateou um pdf de um livro de RPG. Todo mundo faz isso, em menor e maior grau. Baixar um pdf gringo para ler e ver se vale a pena investir na compra não tem problema nenhum, é algo que até aquece o mercado. Mas tem outras iniciativas que eu não posso concordar.



A pouco mais de 10 anos, a linha Classic Word of Darkness (Vampiro a Máscara, Mago a Ascensão, Lobisomem o Apocalipse, etc.) chegava ao seu fim. Foram lançados os livros de fim de mundo, e com isso, a Devir, editora que já publicava bem menos do que o público alvo dos cenários queria ter em português, nos deixou na mão de vez. Surgiram grupos de tradução, baseados na geração xerox, herança de um tempo sem internet e sem editoras nacionais, quando era necessário que alguém com dinheiro para viajar ao exterior trouxesse livros para cá, e a única forma de divulgar o RPG era xerocando exaustivamente esses poucos livros.

A criação e expansão dos grupos de tradução para outros jogos abandonados pelas editoras, e mesmo licenças que jamais chegariam aqui pareceu uma dádiva para os fãs desses jogos. Mas invariavelmente, ao invés de servirem para a divulgação e expansão do hobby, como pregavam os fãs tradutores, o que acabou acontecendo foi uma retração do mercado. Mais pessoas conhecendo, menos pessoas comprando, menos livros nas lojas, menos eventos, menos divulgação oficial, menos investimentos.

Com medo de não vender já que muita gente agora podia pegar de graça os pdfs praticamente no mesmo nível de tradução ou até melhor em alguns casos, a editora parou de publicar. E como não tinha mais os produtos para vender, parou de investir em eventos de RPG. Os grupos de tradução podem ter ajudado um monte de gente que já era fã dos jogos a ter o material na sua língua nativa, mas ao mesmo tempo eles foram responsáveis pela queda no mercado, ou foram a desculpa que a editora precisava para parar de investir.

Outro fenômeno que começou a acontecer foi o pessoal escanear os livros originais e colocar na internet. Agora, você não precisava nem ter um amigo que comprou um livro para xerocar dele. Se o amigo ia deixar fazer uma ou duas cópias para não detonar o livro, a partir dos scans um só exemplar era suficiente para que todos os interessados tivessem sua cópia sem pagar nada. É claro, sempre existiram colecionadores, pessoas que querem o livro original, mas eles são a minoria entre o público, e uma minoria que não justifica a publicação de uma tiragem grande o suficiente para ser vendida a um preço razoável.

E por fim, em pleno 2015, temos as pessoas que compram o pdf de uma editora nacional e colocam
na internet. Isso eu acho o fim do poço, a demonstração máxima de #$%**@#$tagem. E esses caras reclamam que o livro tá caro. Encontramos pdfs para vender a valores que vão de R$12,00 a R$ 25,00. Quanto você gasta num passeio no shopping mesmo? Você compra um pdf de livro de RPG com o dinheiro que gastaria com quatro passagens de ônibus em São Paulo. Qual o preço do pastel de feira? Quanto você precisa economizar em pastéis para comprar o pdf? Tá caro? Alguns pdfs são mais baratos que um Big Mac, e estou falando do lanche avulso sem nenhum acompanhamento.

E quanto aos livros físicos? Será que estão caros? Tem livro capa dura sendo vendido ao preço de 4 Bic Macs nas editoras. Tem livro capa mole sendo vendido ao preço de uma sessão de cinema 3D. Tem livro colorido capa dura sendo vendido ao preço de 2 quilos de picanha. Você já deve ter gasto em uma noite de balada mais do que o valor de um livro básico "caro", só para ter uma ressaca no dia seguinte. Livro de RPG não dá ressaca e se bem cuidado te trará décadas de diversão com os amigos.

Temos um outro problema mais sério com a distribuição ilegal dos pdfs produzidos pelas editoras: a editora PRECISA do dinheiro vindo da venda dos pdfs para se sustentar. É necessário manter-se, pagar impostos (livro não paga imposto mas a editora paga imposto), funcionários, investir em novas publicações. Se você pirateia o pdf ao invés de comprar, você está contribuindo para a diminuição do mercado de RPG no Brasil. Para a falência das editoras. Para a morte do RPG.

Agora voltando aos grupos de tradução, temos 2 justificativas fundamentais para que eles existam:

1. Não temos o material em português e os grupos de tradução ajudam os brasileiros a terem acesso já que a editora não vai trazer
Mito! Eu nunca tive inglês na escola além do verb to be. Fiz curso técnico e não tinha inglês. Jamais entrei numa escola de inglês. E simplesmente meti a cara nos livros em inglês com dicionário do lado, no começo um inglês-português, e em menos de um ano comprei um inglês-inglês. A maior parte do vocabulário dos livros de RPG é técnica e fácil de entender. É específica. Não requer muito esforço. Foi graças aos livros de RPG que eu conseguia ler em inglês na faculdade e na pós graduação sem nunca ter feito um curso. Então você que usa essa justificativa, desculpe a sinceridade, mas você está sendo preguiçoso e acomodado. Se quer fazer algo de útil pra sua vida, encare um livro em inglês, e agradeça ao RPG quando passar naquele concurso ou na prova para a pós graduação numa universidade pública com o que aprendeu de inglês lendo esses livros.


2. A editora nunca vai trazer então temos de publicar em português.
Mito! Os grupos de tradução desestimulam as publicações profissionais. O Mundo das Trevas Clássico voltou a ser publicado lá fora, a Devir já anunciou faz quase um ano que iam trazer o V20 e até agora nenhuma outra notícia. Mas sabe, já me disseram que existe uma tradução feita por fãs do V20. Então se tem público baixando isso de graça, eles não vão pagar por um livro que vai sair caro. Por outro lado, vimos no final de 2014 três editoras NOVAS trazendo para o Brasil três livros de RPG em financiamentos coletivos bem sucedidos. Dois desses livros foram considerados os melhores RPGs de 2014 pelo Ennies (Numenera e FATE). Se houverem traduções extra-oficiais de um determinado livro, as novas editoras dificilmente tentarão investir neles.

Eu já defendi os grupos de tradução. Parei, pensei, refleti. Ouvi o que pessoas ligadas a editoras diziam. Se era mesmo sincero ou uma desculpa, não importa. É um fato que o resultado final da tradução extra-oficial é a diminuição da quantidade de publicações oficiais. O mesmo é válido para a distrubuição dos pdfs dessas editoras.

Se no passado a "pirataria" era uma forma de alavancar o RPG no Brasil, por falta de opções e condições, hoje em dia a pirataria é a pá que cava o buraco onde pretendem enterrar o RPG depois que matarem ele. Quem divulga, dissemina, defende o pdf pirata, só está envenenando o nosso passatempo.

E não esqueça: distribuir pdf de livros de RPG é crime previsto em lei. Ideologia, bandeiras, pagar de herói: te falaram que isso era legal e você acreditou e resolveu fazer? Você cheiraria meia usada porque te disseram que isso é legal, pra ter status entre os seus amigos?


Quer ajudar o RPG? Tire a bunda da cadeira e faça acontecer.  Leia em inglês e crie um mercado para aquele jogo ser publicado aqui. Mestre para iniciantes.  Ajude as editoras prestigiando e divulgando o material delas na forma de mesas presenciais ou on line. Não distribua pdf pirata: incentive a compra pois é a compra que incentiva a publicação de mais jogos.